quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Reforma Tributária e Guerra Fiscal

O grande entrave para uma reforma tributária no Brasil é a tributação sobre consumo.
Do jeito que foi feita a repartição de competências na Constituição, dividiu-se o imposto sobre consumo entre três esferas de governo (IPI, COFINS, PIS/PASEP para a União, ICMS para os Estados e ISS para os Municípios).
Diante desse quadro, imagine a quantidade de alíquotas, benefícios e normas editadas pelos entes federativos.
Esta situação impõe um alto custo de manutenção das administrações tributárias e um alto custo para as empresas.
A desejável neutralidade do tributo não pode ser alcançada em um cenário assim. Tal situação distorce a alocação ótima de recursos da economia, que se traduz no custo Brasil.
Para a reforma tributária avançar, é necessário resolver a questão da tributação do consumo e enfrentar as questões políticas e jurídicas que o tema carrega. Há que se pensar em novo formato para a Federação, pelo menos no que diz respeito à sua sustentabilidade financeira.
O Prof. Richard Bird, da Universidade de Toronto, consultor do Banco Mundial e ex-chefe do Departamento Fiscal do FMI, defende o equilíbrio orçamentário com predominância das receitas próprias dos estados em vez de mecanismos de transferências intergovernamentais. O que vemos no Brasil hoje é que poucas unidades da federação conseguem sobreviver com receitas próprias. São totalmente dependentes dos repasses intergovernamentais, cujos FPE e FPM são os exemplos mais bem acabados.
Para o Prof. Bird, a melhor fonte de receita para os estados seria um imposto sobre valor adicionado, administrado num sistema dual: uma alíquota federal e outra estadual, baseado em tributação sobre o destino.
Para Bird, é fundamental que exista coordenação ente as administrações fazendárias federal e estaduais para o sucesso do sistema.
Já o Prof. Ricardo Varsano, em seu artigo "A guerra fiscal do ICMS: quem ganha e quem perde", defende as seguintes ideias:

ü  Impostos influem no comportamento dos agentes econômicos por afetarem a alocação de recursos.
ü  “Conceitualmente, a tributação justifica-se na medida em que o benefício gerado pelo uso público de recursos da sociedade, possibilitado pela arrecadação, seja maior que seu custo de oportunidade, medido pelo benefício social do melhor uso privado dos recursos, acrescido do custo criado pela tributação.”
ü  O incentivo fiscal, portanto, seria a eliminação marginal do tributo em função do surgimento de uma oportunidade de uso privado dos recursos, cujos benefícios superem o uso público a que se destinavam.
ü  São três as condições para concessão de incentivos fiscais:
o   Sem o incentivo não seria aproveitada a oportunidade de uso privado dos recursos;
o   O uso privado dos recursos represente um novo investimento no Estado;
o   Os benefícios gerados pelo uso privado dos recursos sejam apropriados pelos residentes no Estado em proporção superior aos benefícios que o anterior uso público dos recursos geraria.
ü  Do ponto de vista nacional, são raros os empreendimentos que atendem às três condições, isto é, que sejam merecedores de incentivos fiscais.
ü  Por exemplo, não faz sentido dar incentivo, via ICMS, para empreendimentos que visem exportar seus produtos, posto que o imposto não incide sobre a exportação.
ü  Do ponto de vista nacional, estimular a relocalização de empreendimentos também é desperdício de recursos, posto que a ineficiência alocativa provocada por uma localização que não é a melhor acabará por consumir os recursos públicos renunciados.
üConceder redução de ICMS para empreendimentos multinacionais é entregar a não-residentes recursos antes utilizados no bem-estar da população local. Somente na hipótese de a empresa não se instalar no país haveria a justificativa da concessão do incentivo.
ü  “Primeiro, os vencedores das guerras fiscais são, em geral, os estados de maior capacidade financeira, que vêm a ser os mais desenvolvidos, com maiores mercados e melhor infra-estrutura. Segundo, ao renunciar à arrecadação, o estado está abrindo mão ou da provisão de serviços (educação, saúde, a própria infraestrutura etc.) que são insumos do processo produtivo, ou do equilíbrio fiscal, gerando instabilidade macroeconômica”.
ü  O governador defende os interesses do estado, mesmo que entre em conflito com os interesses do país, sob o argumento da autonomia dos entes federados.
ü  A instalação de uma empresa no estado, mesmo que exportadora, por exemplo, cria empregos e, portanto, gera renda adicional para a unidade. Deste ponto de vista, é bom negócio para o estado.
ü  Na sistemática atual de tributação das operações interestaduais, é vantajoso para um estado conceder incentivo para uma empresa produtora de produtos exportáveis, desde que a empresa exportadora situe-se em outro estado. A exportação não gera receita para o estado da empresa exportadora e ainda tem que arcar com o ônus do crédito.
ü  Também nos empreendimentos voltados para o mercado interno, a tributação interestadual estimula a concessão de benefícios, a par da ineficiência econômica que pode gerar.  A empresa situada em um estado que lhe conceda benefício fiscal terá vantagem competitiva ante os concorrentes que se instalem no estado que concentre os consumidores dos produtos. O resultado disso, é a pressão que os governos estaduais são submetidos para que concedam igual tratamento às empresas que estão sendo prejudicadas. Resultado: a sangria dos recursos públicos do estado aumenta.
ü  Os anos de vigência e inobservância da LC nº 24/75 mostram que os estímulos econômicos prevalecem sobre as disposições legais que coíbem a guerra fiscal.
ü  É preciso minimizar o estímulo à participação na guerra fiscal. A tributação do ICMS no comércio interestadual é exemplo de ação no sentido errado.
ü  Na ótica de cada estado, o ICMS é um imposto híbrido: parte sobre o consumo e parte sobre a produção. O imposto sobre a produção é arma muito mais poderosa na guerra fiscal que o imposto sobre o consumo.
ü  Para se transformar o ICMS em imposto sobre o consumo sob a ótica estadual, e assim minimizar os efeitos de uma guerra fiscal, basta adotar o princípio da tributação no destino.
ü  Com o princípio do destino, todos os produtos destinados a consumo em um estado, sejam eles produzidos no próprio estado, em outro estado ou mesmo vindo do exterior, gerariam arrecadação exclusivamente para aquele estado. Por outro lado, bens produzidos no estado, mas destinados a outros estados e ao exterior, não seriam por ele tributados.
ü  Assim, a concessão de benefícios fiscais para atrair empreendimentos somente seria atraente quando a empresa beneficiada dirigisse suas vendas para o mercado interno do estado concedente.
ü  Sugere-se uma implantação gradual da tributação no destino, reduzindo-se paulatinamente a alíquota interestadual até zero para que os estados exportadores líquidos (como São Paulo, por exemplo) não sofram um impacto muito grande em sua arrecadação total.
ü  Outra consequência da tributação no destino será a reestruturação da administração fazendária, sobretudo nos estados menos desenvolvidos, uma vez que a tributação estará diluída no expressivo número de consumidores.
ü  Uma dificuldade da tributação no destino é o estímulo à sonegação fiscal. A diferença entre as alíquotas interna e interestadual estimula o mau contribuinte a simular operações interestaduais, embora entregue o produto no próprio estado, criando uma cadeia de evasão fiscal. Uma possível solução seria substituir o IPI e o ICMS por um único imposto, com características do ICMS, partilhado entre União e Estados.

Um ponto crucial nessa discussão é que a concessão de benefícios fiscais de um estado não pode se dar em prejuízo do outro.
Que Mato Grosso, Espírito Santo, Goiás, Rio de Janeiro, São Paulo ou qualquer outro estado tenha sua política de incentivos para atrair investimentos é uma coisa. Fazê-lo e mandar a conta para o estado vizinho é buscar uma guerra mesmo.
São Paulo não deve e não pode pagar a conta dos benefícios concedidos pelos estados vizinhos. Quando digo São Paulo, leia-se todos nós cidadãos paulistas. O custo do benefício concedido lá fora está repercutindo na arrecadação paulista.
O destaque na nota fiscal deveria corresponder exatamente ao que foi cobrado do contribuinte na origem. Não é possível que se destaque 12% de ICMS num documento fiscal (que vai virar crédito para o comprador), quando na realidade o vendedor só pagou 2%, por exemplo. Se o vendedor é de outro estado e o comprador de São Paulo, o estado de São Paulo suportará 10% de crédito que não foi cobrado. 10% a menos de recursos para São Paulo! Não está certo isso!
É preciso que os benefícios e incentivos fiscais não extrapolem as fronteiras de cada estado. Se extrapolar, o mínimo que se espera é que seja ouvido o outro estado envolvido.
Lei existe, órgão para deliberar existe, o que não existe é pudor para evitar a concessão de benefícios à margem da ordem legal.
Eu penso que o ordenamento jurídico não tem função de trazer de volta o respeito às instituições. Ou o país é maduro suficiente pra respeitar a ordem constituída, ou não é e vira um caos. Caos, neste caso, tributário.
O ICMS é um imposto muito complexo. Isso já deriva da Lei Kandir. Ela precisa ser reformada, no meu ponto de vista, para simplificar o tributo.
O fato, o problema que temos vivenciado ao longo de todo o tempo que o ICMS foi instituído desde a CF de 88, é que as 27 legislações do imposto não foram capazes de impedir a guerra fiscal. Ao contrário, exacerbou-a.
Não tenho convicção de que um IVA nacional resolveria o problema, mas, diante do caos atual, é uma alternativa. Quais outras poderiam ser listadas? Qualquer uma terá prós e contras. É claro que não podemos fazer do país e dos estados um laboratório. Mas, continuar insistindo no atual modelo não me parece a alternativa mais inteligente.
Agora, um aspecto é fundamental para qualquer solução que for dada ao tema: o respeito às instituições e ao Estado Democrático de Direito.
Se continuarmos com o discurso de que tal lei "pegou", tal lei "não pegou", viveremos eternamente na insegurança jurídica, a mercê das ilegalidades e arbitrariedades que assistimos todos os dias.
Essa discussão da guerra fiscal passa pela ideia de federação que queremos. Entes independentes administrativa, financeira e politicamente? Ou uma federação em que os entes dependam financeiramente de outro? Qual federação vige no Brasil hoje? Os municípios são independentes? Municípios devem ser entes da federação?
Veja que tais questões são de cunho constitucional.  Dependendo da resposta, implica em nova constituição, com as consequências que isso provoca.
Então, acredito, a alteração do ICMS tem que ser tal a ponto de equilibrar essa mexida na ideia de federação, com a minimização da guerra fiscal, se não quisermos uma ruptura constitucional.
Tudo dependerá, portanto, do tamanho da alteração que os estados estão dispostos a fazer para findar a guerra fiscal.
Só unificar alíquota interestadual, por exemplo, será muito pouco para alterar o atual quadro de guerra fiscal.
Eu acho que a federação brasileira está numa encruzilhada com esse cipoal de competências tributárias. E o resultado disso é o manicômio tributário em que vivemos.

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