sexta-feira, 20 de abril de 2012

Multa moratória e denúncia espontânea

A multa moratória é uma sanção de natureza indenizatória e visa a ressarcir o prejuízo suportado pelo credor, tendo em vista a demora do devedor em adimplir sua dívida.

No caso do ICMS paulista, a multa moratória está disciplinada no art. 87 da Lei nº 6.374/89. Se o imposto não for recolhido no prazo estabelecido na legislação, o débito fica sujeito à multa moratória, calculada sobre o valor do imposto ou da parcela, conforme a seguir:

I - 2%, até o 30º dia contado da data em que deveria ter sido feito o recolhimento;

II - 5%, do 31º ao 60º dia contado da data em que deveria ter sido feito o recolhimento;

III - 10%, a partir do 60º dia contado da data em que deveria ter sido feito o recolhimento;

IV - 20%, a partir da data em que tiver sido inscrito na Dívida Ativa.

Nos casos de pedidos de parcelamento, a multa moratória será calculada até a data do protocolo do pedido.

Os demais débitos fiscais relativos ao imposto, enquanto não exigíveis por meio de auto de infração, ficam sujeitos à multa moratória.

Se o contribuinte procurar a repartição fiscal, antes de iniciado quaisquer procedimentos do fisco, para sanar irregularidade relacionada com o cumprimento de obrigação tributária, fica a salvo das penalidades previstas no art. 85 da Lei nº 6.374/89.

Considera-se iniciado o procedimento fiscal, com a intimação, notificação ou lavratura de termo de início de fiscalização ou de auto de infração. Também é considerado iniciado o procedimento fiscal com a lavratura do termo de apreensão de mercadoria, bem, livro ou documento, bem como a notificação para sua apresentação.

A Secretaria da Fazenda poderá emitir comunicado destinado ao contribuinte, apontando divergências ou inconsistências apresentadas entre as informações enviadas pelo contribuinte e as coletadas de terceiros. Nesta situação, o contribuinte estará a salvo de penalidades se sanar as irregularidades apontadas na comunicação dentro do prazo estabelecido.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Dívida tributária e sonegação fiscal

Em recente artigo publicado no site Congresso em Foco, o articulista Maurício Silva Leite discorre sobre dívida tributária e sonegação fiscal.
Concordo com seu ponto de vista de que nem toda dívida tributária (AIIM) configura sonegação. Há erros, interpretações divergentes da legislação, desconhecimento etc., por parte do contribuinte, que enseja o auto de infração. Pra configurar crime, tem que haver a conduta dolosa, a intenção de fraudar.
Em questões polêmicas, por exemplo, em que a conduta infracional pode, em tese, estar baseada na interpretação de uma lei flagrantemente inconstitucional, não me parece que seja o caso de se acusar a conduta de crime, porque a questão é passível de discussão na justiça. A lei pode estar contrariando a Constituição, mas, enquanto não for declarada inconstitucional, produzirá efeitos. Então, no meu entender, agir segundo seu regramento não tipifica crime.
Crime é a conduta antijurídica, tipificada na lei penal. Para dizer que foi crime, todos os elementos da tipificação da conduta têm que estar presentes. Ausente algum requisito, a dúvida milita a favor da inocência.
Outro ponto relevante que gostaria de destacar é o dispositivo que extingue a conduta criminosa se o autuado pagar o auto de infração. Esse conceito está equivocado. Pagamento não poderia ter o condão de eliminar o crime.
Crime é conduta antijurídica, repito. Se vivemos sob a égide das leis, para todo crime haverá uma sanção. O pagamento do tributo é a conduta esperada. Pagando, o contribuinte não fez mais do que se esperava dele. Mas, se há crime, antes de pagar, delinquiu. E se cometeu crime, deveria arcar com as consequências impostas pelo Direito, que, em última análise, regula as condutas intersubjetivas. É assim, em tese, pra todos que vivem em sociedade.
Imagine se depois que o bandido cometer um latrocínio (roubo seguido de morte), por exemplo, ele resolvesse compensar o prejuízo causado, pagando pelos bens materiais que roubou acrescido de uma indenização pela morte da pessoa. Então, ele estaria livre da condenação pelo crime? Claro que não! Ele afrontou valores que o Direito preserva e defende: a vida, principalmente. Não há pagamento que resgate o valor atacado.
Mas como tudo em Direito, trata-se de questão discutível, posto que a sociedade e seus valores são mutantes. Não existe opinião definitiva, certa ou errada.
Viver em sociedade importa em tudo isso. Dizer o direito, o que é justo, é apenas uma pequena parte do processo todo. Tudo começa com a eleição dos legisladores (políticos nas três esferas: municipal, estadual e federal). São esses agentes que criarão as normas, digamos estruturais. No Brasil, o Executivo é, talvez, até mais importante do que o Legislativo, pois além de gerir, edita um sem número de regras (Decretos, Portarias, Instruções Normativas, Resoluções, Circulares, Atos Normativos etc.) que afetam a vida de todos.
Ao Judiciário cabe fazer a "leitura" de tudo isso que é produzido em termos de legislação. Portanto, além da infinidade de normas, algumas até conflitantes entre si, ainda passa pela interpretação que o operador do direito (juiz, agente administrativo, advogado, promotor público, procurador, defensor, desembargador etc.) imprime à regra.
Então, existe decisão de todo tipo, afetando tal e qual interesse. Mas, isso é a vida! Cada um defende o que entende ser justo de acordo com suas convicções. Sem perder de vista que há, e isso é demasiadamente grave no Brasil, os corruptos, safados, aproveitadores, criminosos de toda ordem que usam a estrutura legislativa para perpetrar seus crimes contra a sociedade.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Direito e a tradução da realidade

A incidência da norma jurídica, efetivada pelos operadores do direito, consiste na tradução do fato social em fato jurídico, segundo a técnica própria da linguagem do direito positivo.
O fato social já é uma tradução do evento do mundo real, da realidade, em linguagem própria do tradutor, fruto da sua vivência cultural numa língua natural que tem suas próprias estruturas de representação da realidade.
Portanto, o fato jurídico, aquele que interessa ao ordenamento, é consequência de duas traduções linguísticas. A realidade em si, fugaz e múltipla, somente em alguns aspectos pode ser captada ou traduzida pela linguagem natural que a representa. O fato social, portanto, já traz em si as restrições da primeira tradução, da primeira versão representada nos signos da linguagem.
Cabe aos operadores do direito verter o fato social, realidade descrita em linguagem social, para o mundo jurídico, fazendo a segunda tradução, do fato social para fato jurídico, que é a representação do evento do mundo real na linguagem jurídica. Linguagem jurídica que é essencialmente prescritiva, onde são estabelecidas as relações jurídicas, interligando os sujeitos em suas interações intersubjetivas.
O próprio direito positivo traz em sua constituição os meios e formas com os quais os operadores do direito poderão se valer para constituir o fato jurídico. Trata-se da linguagem das provas, que determinarão o que é o fato jurídico para o mundo do direito. O grande desafio do jurista é saber distinguir o que é evento, fato social e fato jurídico. As relações entre tais categorias estão estabelecidas nos processos de tradução da realidade, do mundo bruto em si (evento), traduzido em linguagem na consciência de cada um (fato social), e que poderá entrar no mundo do dever-ser, do direito, conforme sua adequação à linguagem probatória que o transmude em fato jurídico.
A conclusão a que chegamos ao estudar este ponto é de que a linguagem firma-se como ponto fundamental para o entendimento da realidade. A linguagem cria a realidade para a nossa consciência. Sem podermos nos expressar numa língua sobre os objetos e dados brutos com os quais interagimos no mundo, não conseguiríamos transmitir nosso conhecimento a outra pessoa, não poderíamos nos comunicar, não adquiriríamos nosso próprio conhecimento do mundo.
Além disso, existem várias camadas de linguagem para expressar um evento, ou se formos mais precisos e acurados, existe uma linguagem para cada tradução que fizermos do evento. Tal pode ser entendido a partir da língua natural do meio em que vivemos, como também pode ser traduzido, a partir dessa primeira tradução, para outra espécie de linguagem, científica por exemplo, onde se conformará segundo as regras linguísticas estabelecidas neste novo padrão. Assim ocorre com o evento do mundo real, que traduzimos para nossa língua materna, em nossos conscientes, que forma o fato social visto sob o ângulo cultural em que fomos educados. Tal fato social poderá ingressar no mundo científico do direito, por exemplo, obedecendo aos cânones da linguagem jurídica posta pelo direito positivo. E aí teremos o fato jurídico, vertido a partir do fato social.
Perceba que nesses processos de traduções, de passagem de uma linguagem para outra, o evento bruto do mundo real, fugaz e instantâneo, já terá perdido várias de suas características intrínsecas e será moldado a partir do ponto de vista do operador que efetuar as traduções. Daí que, no direito, um mesmo evento poderá suscitar diversas traduções, vale dizer, várias interpretações. Tudo porque a tradução da realidade, a sua transformação em linguagem, está submetida ao conhecimento que o operador, ou tradutor, carrega consigo, e que se refletirá na descrição que ele fará do evento objeto de estudo. Como cada pessoa possui em grau variado um caldo cultural que lhe forma a consciência, também terá uma expressão linguística diversa para exprimir a realidade que enxerga. Não existe uma interpretação certa ou errada, mas sim interpretação válida ou inválida, segundo as normas do direito positivo. E, dentre as interpretações válidas, aquela em que seu formulador consegue incutir nos demais sua força de convicção, de modo a que os demais também interpretem o evento segundo aquela visão.