sábado, 27 de fevereiro de 2010

Informativo STF 558

Resumo das decisões proferidas pelo STF - período 31 de agosto a 11 de setembro de 2009

PLENÁRIO

Extradição: Legalidade do Ato de Concessão de Refúgio e Natureza dos Crimes Imputados ao Extraditando

O Tribunal iniciou julgamento de pedido de extradição executória formulado pelo Governo da Itália contra nacional italiano condenado à pena de prisão perpétua pela prática de quatro homicídios naquele país.
O Min. Cezar Peluso, relator, deferiu a extradição, sob a condição formal de comutação da pena perpétua por privativa de liberdade por tempo não superior a trinta anos.
Examinou, de início, questão preliminar ao pedido de extradição diante da concessão do status de refugiado ao extraditando pelo Ministro da Justiça, concluindo pela ilegalidade e pela ineficácia desse ato.
Asseverou que, não obstante a Corte, em princípio e incidentalmente, houvesse declarado, no julgamento da Ext 1008/Governo da Colômbia (DJE de 17.8.2007), a constitucionalidade do art. 33 da Lei 9.474/97 (“o reconhecimento da condição de refugiado obstará o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio.”), e independentemente da estima do acerto, ou não, dessa decisão, destacou que ficariam por esclarecer as condições em que a outorga de refúgio extinguiria o processo de extradição.
Em seguida, o relator analisou os quatro motivos declarados como fundamentos do ato de concessão de refúgio, perante o disposto no art. 1º, I, da Lei 9.474/97 (“Art. 1º Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que: I - devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontra-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país;”), para, no estrito controle da legalidade, ajuizar se, sendo acaso verdadeiros como fatos, corresponderiam, ou não, ao suporte fático (fattispecie abstrata) dessa norma vinculante, invocada pela autoridade como fonte da legitimidade de seu comportamento.
Assinalou que o primeiro, referente à situação política do Estado italiano, em dada quadra histórica, a toda evidência não poderia ser considerada causa atual de algum fundado temor de perseguição futura por motivos políticos, pela razão de, supondo-se então verdadeira, não viger agora. Assim, reputando-se ali vigente ordem jurídico-constitucional democrática, nada justificaria sequer remoto receio de que, com o deferimento da extradição, o extraditando não teria seus direitos constitucionais respeitados.
Quanto ao segundo motivo da decisão administrativa, de que, na época dos fatos, o governo do Estado requerente estaria infiltrado de “forças políticas eversivas”, cujo “poder oculto” superaria e excederia, por meio de atuações ilegítimas, “a própria exceção legal”, influindo, direta ou indiretamente, nas condenações do extraditando, registrou o relator que tal fundamento, sobre implicar gratuita e pesada afronta à independência e isenção da magistratura italiana, não transporia, na causa, as fronteiras amplas da fantasia, não se fundando em nenhum dado de realidade.
No que tange ao terceiro fundamento, no sentido de que os crimes imputados ao extraditando teriam natureza política, o relator enfatizou sua ilegalidade, haja vista a incompetência da autoridade administrativa na matéria.
Afirmou que, nos termos do art. 77, § 2º, da Lei 6.815/80, c/c o aludido art. 102, I, g, da CF, caberia, exclusivamente, ao Supremo a apreciação do caráter da infração, o que implicaria outorga de competência exclusiva para definir se o fato constitui crime comum ou político, sendo essa a razão pela qual, dentre as hipóteses específicas de reconhecimento da condição de refugiado, previstas no art. 1º da Lei 9.474/97, não constaria a de que a pessoa tivesse sido condenada por delito político.
Relativamente ao quarto e último fundamento, concernente às vicissitudes da estada do extraditando na França, de onde teria sido expulso, de fato, por decisão de cunho político, reputou-o impertinente. Asseverou que, no tocante aos eventos lá ocorridos, escusaria opor objeções de ordem factual ou jurídica, por serem de todo irrelevantes as respectivas considerações da decisão administrativa para o desate da causa, porquanto a Lei 9.474/97 exigiria, em seu art. 1º, I, em cuja hipótese (fattispecie abstrata) se fundara o reconhecimento da condição de refugiado, como requisito típico essencial, que a pessoa se encontrasse fora do país de nacionalidade, sob cuja proteção não quisesse ou não pudesse se acolher. Observou que, no caso deste outro fundamento decisório, toda a particular motivação do asserto de perseguição política diria respeito a acontecimentos sucedidos em terceiro país, que não reclama extradição.
Para o relator, da análise de todos esses fundamentos do ato de concessão de refúgio, depreender-se-ia que, se houvesse algum fundado temor atual do extraditando, tal receio teria por único objeto os desdobramentos legais da persecução penal executória, e não agravos imaginários de perseguição política, de cujo risco não constaria nenhum indício.
Registrou, também, ser pertinente a distinção constante do manual de procedimentos e critérios para determinar a condição de refugiado político, publicado, em 2004, pelo Alto Comissariado das Nações Unidas - ACNUR, a qual deveria ser observada, com rigor, neste tema, a fim de não se confundirem coisas tão diversas entre si [“(d) Punição 56. Deve-se distinguir perseguição de punição prevista por uma infração de direito comum. As pessoas que fogem de procedimentos judiciais ou à punição por infrações desta natureza não são normalmente refugiados. Convém relembrar que um refugiado é uma vítima - ou uma vítima potencial - da injustiça e não alguém que foge da justiça.”].
Dessa forma, não aparecendo o extraditando como vítima da injustiça, mas como alguém que fugiria da punição legal por crimes de natureza comum, não lhe seria possível aspirar à condição de refugiado.
Ademais, no campo dos chamados requisitos negativos, afirmou que não seria menor a incompatibilidade entre a decisão administrativa e a lei, salientando que o manual do ACNUR distinguiria ainda, neste ponto, três grupos de condições ou cláusulas que haveriam de ser seguidas para fins de reconhecimento da situação de refugiado político, quais sejam, as de inclusão, de cessação e de exclusão. Citando o art. 1-F do Estatuto dos Refugiados (“F. As disposições desta Convenção não serão aplicáveis às pessoas a respeito das quais houver razões sérias para se pensar que: a) cometeram um crime contra a paz, um crime de guerra ou um crime contra a humanidade, no sentido dado pelos instrumentos internacionais elaborados para prever tais crimes; b) cometeram um crime grave de direito comum fora do país de refúgio antes de serem nele admitidas como refugiados; c) tornaram-se culpadas de atos aos fins e princípios das Nações Unidas.”), revelou que o conjunto das normas expressas nesse texto teria sido complementado pela Lei 9.474/97 (“Art. 3º Não se beneficiarão da condição de refugiado os indivíduos que: ... III - tenham cometido crime contra a paz, crime de guerra, crime contra a humanidade, crime hediondo, participado de atos terroristas ou tráfico de drogas; IV - sejam considerados culpados de atos contrários aos fins e princípios das Nações Unidas.”), reputando inequívoco o sentido da regra que veda, expressamente, a atribuição da condição de refugiado a pessoas que tenham cometido crimes comuns graves, sobretudo se qualificados como hediondos.
Prosseguindo, o relator destacou que a decisão administrativa, ao se reportar ao fato de que em nenhum momento o Estado requerente noticiara a condenação do extraditando por crimes impeditivos da condição de refugiado, desconsideraria todo o teor das sentenças condenatórias italianas, recobertas pela res iudicata.
Aduziu que os crimes cometidos pelo extraditando, sobre não apresentar nenhum traço de conotação política, entrariam com folga na classe dos crimes comuns graves, qualificados de hediondos, nos termos do art. 1º da Lei 8.072/90.
Quanto ao mérito, o relator repeliu todas as alegações apresentadas pela defesa do extraditando.
Ressaltou que o fato de o extraditando não ter sido apresentado diante de qualquer tribunal, sendo julgado à revelia, não teria relevo nenhum, porque tal circunstância não constituiria, por si só, motivo de recusa para a extradição, conforme pactuado na segunda parte da alínea a do art. 5 do Tratado de Extradição Brasil-Itália.
Ademais, observou que, mesmo que o julgamento tivesse tramitado à revelia do extraditando, que à época se encontrava foragido, não haveria dúvidas de lhe terem sido garantidos todos os direitos de defesa correspondentes a essa condição processual, conforme o citado dispositivo do Tratado, em estrita observância ao princípio do devido processo legal. Afirmou, também, diante de nosso sistema da contenciosidade limitada, ou de cognição restrita (Lei 6.815/80, art. 85, § 1º), caber à Corte apenas apreciar a defesa que verse sobre a identidade da pessoa reclamada, defeito de forma dos documentos apresentados ou ilegalidade da extradição, não sendo possível conhecer da alegação de fragilidade das provas produzidas na instrução criminal.
Reconheceu, em seguida, estar atendido o requisito da dupla tipicidade, visto que o fato motivador do pedido seria considerado crime tanto no Estado requerente quanto no Brasil.
O relator asseverou não estarem prescritos os homicídios imputados ao extraditando, consumados em 6.6.77, 16.2.79, 16.2.79 e 19.4.79 e aos quais cominados a pena de prisão perpétua, com decisões condenatórias transitadas em julgado em 8.4.91 e 10.4.93.
Enfatizou que, perante nossa legislação penal, seria mister decidir a questão da prescrição da pretensão executória à luz do máximo da pena abstratamente cominada para o correspondente tipo penal (homicídio qualificado), que seria de trinta anos de reclusão. Assim, segundo o inciso I do art. 109, c/c o art. 110, do nosso CP, a prescrição se operaria em vinte anos.
Esclareceu, no ponto, que a defesa desconsiderara que sobre a hipótese incidiria, depois do trânsito em julgado da sentença, a causa suspensiva da prescrição, constante do art. 116 do CP (“Depois de passada em julgado a sentença condenatória, a prescrição não corre durante o tempo em que o condenado está preso por outro motivo”).
Isto é, decretada a prisão preventiva do extraditando em 1º.3.2007, para fins de extradição, e devidamente cumprida em 18.3.2008, dessa data atuaria automaticamente a suspensão do prazo da prescrição executória segundo a legislação brasileira.
Salientando que tais condenações transitaram em julgado em 8.4.91 e 10.4.93, não teria se operado prescrição da pretensão executória, seja em face da legislação italiana, seja da brasileira, a qual se consumaria no prazo de vinte anos, a contar da data do trânsito em julgado das sentenças condenatórias, nos termos da norma vigente à época.
Reputou, assim, satisfeita a exigência relativa ao duplo grau de punibilidade.
O relator atestou a não ocorrência da causa impeditiva prevista no inciso VII do art. 77 da Lei 6.815/80, objeto da garantia consagrada no inciso LII do art. 5º da CF (“não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião”.).
Reafirmando a competência da Corte para aquilatar, com exclusividade, o caráter das infrações que informam o pedido extradicional, julgou comuns os crimes cometidos pelo extraditando, sobretudo quando confrontados com o princípio da preponderância (Lei 6.815/90, art. 77, § 1º).
Frisou, no ponto, consubstanciarem homicídios dolosos, perpetrados com premeditação, os quais não guardariam relação com fins altruístas que caracterizariam movimentos políticos voltados à implantação de nova ordem econômica e social, mas revelariam, pelo contrário, puro intuito de vingança pessoal.
Por fim, examinou a questão relativa à obrigatoriedade, ou não, de o Presidente da República, uma vez acolhido o pedido de extradição, efetivar a entrega do extraditando ao Estado requerente.
Tendo em conta o que constante do art. 1 do Tratado de Extradição e do art. 26 da Convenção de Viena (princípio do pacta sunt servanda), e, ainda, reputando satisfeitas todas as exigências para concessão sem se caracterizar nenhuma das hipóteses de recusa previstas no art. 6 do Tratado e, por conseguinte, deferido o pedido do Estado requerente, considerou que não se reconheceria discricionariedade legítima ao Presidente da República para deixar de efetivar a entrega do extraditando.
Observou, no entanto, que tramitaria contra o extraditando, perante a Justiça Federal no Estado do Rio de Janeiro, ação penal, cujo objeto seria a imputação da prática do delito de falsificação e/ou uso de passaporte falso.
Em razão disso, entendeu que, deferido o pedido e, portanto, constituído o título jurídico sem o qual o Presidente da República não poderia determinar a extradição, a efetiva entrega do súdito ao Estado requerente poderia ser diferida, nos termos do art. 89 do Estatuto do Estrangeiro, bem como do ‘item 1’ do art. 15 do Tratado Bilateral Brasil-Itália (“Artigo 15 Entrega Diferida ou Temporária 1. Se a pessoa reclamada for submetida a processo penal, ou deva cumprir pena em território da Parte requerida por um crime que não aquele que motiva o pedido de extradição, a Parte requerida deverá igualmente decidir sem demora sobre o pedido de extradição e dar a conhecer sua decisão à outra Parte. Caso o pedido de extradição vier a ser acolhido, a entrega da pessoa extraditada poderá ser adiada até a conclusão do processo penal ou até o cumprimento da pena”). Após os votos dos Ministros Ricardo Lewandowski, Carlos Britto e Ellen Gracie, que acompanhavam o voto do relator, e dos votos dos Ministros Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia e Eros Grau, que, em suma, julgavam extinto o processo de extradição em face da decisão hígida do Ministro de Estado da Justiça de conceder o refúgio ao extraditando (Lei 9.474/97, art. 33), pronunciou-se o Min. Marco Aurélio acerca da legalidade do ato de concessão de refúgio, não vislumbrando desvio de finalidade no mesmo, e solicitou vista dos autos quanto às demais causas de pedir.
Ext 1085/Governo da Itália, rel. Min. Cezar Peluso, 9.9.2009. (Ext-1085)

Mandado de Segurança contra Ato de Concessão de Refúgio e Prejudicialidade

Proferido o voto do Min. Cezar Peluso no processo de extradição, acima relatado, o Tribunal, por maioria, julgou prejudicado o mandado de segurança impetrado pela República Italiana contra o aludido ato do Ministro da Justiça de concessão de refúgio ao extraditando. Tendo em conta haver a impetrante suscitado, incidentalmente, na extradição, a questão relativa à legalidade, ou não, do ato de concessão de refúgio, e, especialmente, por reputar ser cognoscível de ofício essa matéria, de ordem pública, considerou-se que ela deveria ser apreciada como preliminar na extradição. Assim, a República Italiana não teria interesse processual para impetrar o writ, porque a questão passaria necessariamente como uma preliminar no processo de extradição. Vencidos os Ministros Cármen Lúcia, Marco Aurélio, Joaquim Barbosa e Eros Grau, que entendiam ser necessário julgar o mandado de segurança. A Min. Cármen Lúcia asseverou que a análise da legalidade do ato do Ministro da Justiça deveria se dar no mandado de segurança, haja vista ser tal matéria o próprio objeto da impetração, meio adequado, portanto, para essa análise.
MS 27875/República da Itália, rel. Min. Cezar Peluso, 9.9.2009. (MS-27875)

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